quinta-feira, 4 de maio de 2017

Prescrição no Direito Penal II - Esclarecimento de dúvidas


Olá, pessoal!
Hoje o assunto é repetido, mas a forma de abordá-lo será bem diferente e acredito que muito mais interessante.
Há algum tempo (muito tempo!) escrevi aqui no blog sobre Prescrição no Direito Penal e, mesmo com o passar de alguns anos (quase 6 anos), o post tem sido muito bem visitado até hoje, sendo o mais visto do blog e o que possui mais comentários. Fico realmente feliz e grata por isso.
Para iniciar a conversa, vamos falar do que foi alterado no Código Penal desde aquela postagem.
Bom, em 07/05/2012, o legislador inseriu mais uma hipótese de marco inicial para a contagem da prescrição no art. 111 do CP.


Art. 111, CP [...]
V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela Lei nº 12.650, de 2012)

Em outras palavras, em crimes de estupro, estupro de vulnerável e todos os previstos do art. 213 ao 234 do CP praticados contra menor de idade e que ainda não tenham sido denunciados, a prescrição só começa a ser contada a partir do aniversário de 18 anos da vítima. Uma excelente mudança, pois esse tipo de crime é cometido às escondidas e, caso o responsável não leve os ao conhecimento do Poder Judiciário, a própria vítima terá tempo suficiente para fazê-lo.
Não ficou claro? Vamos pensar num exemplo: X comete o crime de estupro em face de Z, que tem 15 anos de idade, mas Z não conta a ninguém por medo. A prescrição do crime de estupro contra menor de 18 anos e maior que 14 anos (art. 213, § 1º, CP) ocorre em 16 anos. Assim, os 16 anos do prazo prescricional só serão contados a partir do aniversário de 18 anos de Z.
Agora, voltando a atenção para o esclarecimento das dúvidas que surgiram, vamos analisar cada um e responder.
Nos comentários houve de tudo, desde perguntas e elogios até consultorias gratuitas. Vou utilizar alguns comentários como forma de esclarecer um pouco mais o tema. Pois bem, vamos lá!
Obs.: Transcrevi os comentários tais como foram escritos e suprimi somente o que não seria pertinente ao assunto.

CASO nº 1

Veja, fui condenado há 4 anos e 4 meses inicialmente no semi- aberto em 2005, por crimes diferentes, 155 e subtração de documento público, 2 anos e 2 meses para cada um. O MP recorreu então teve um acordão marjorando essa pena para 5 e 4 em 2 anos e 8 meses para ambos no ano de 2006. Na época dos fatos eu tinha 20 anos foi citado pelo desembargador ele fala: tendo o réu cometido o crime em setembro de 2001. Em 2001 no mês de setembro tinha 20 anos,completei 21 em outubri do mesmo ano, mas a denúncia foi para o fórum em 12 de novembro de 2001. Como ocorre a prescrição nesse caso?

Bom, vamos analisar o problema passo a passo:
1º) Se o réu tinha 20 anos de idade na data do fato, vamos diminuir logo todos os prazos da prescrição pela metade, conforme o art. 115 do CP, combinado?
2º) Vamos analisar qual o prazo prescricional para cada crime, pois eles devem ser considerados de forma isolada, nos termos do art. 119 do CP:
- Art. 155 (Furto) – prescrição em 8 anos, no caso do réu, em 4 anos.
- Art. 337 (Subtração de documento) – 12 anos, no caso do réu, em 6 anos.
3º) Os crimes foram cometidos em setembro/2001 – aqui começou a correr a prescrição. O furto prescreveria em setembro/2005 e a subtração de documento em setembro/2007.
4º) A denúncia foi recebida em 12 de novembro/2001 – aqui foi interrompida a prescrição e começamos a contá-la novamente.
5º) O réu foi condenado em 2005, dependendo da data (Ex.: 13/11/2005), já houve prescrição em relação ao crime de furto – de qualquer forma aqui interrompe-se de novo os prazos prescricionais. Digamos que o acórdão majorando as penas tenha sido publicado em julho/2005 ainda não houve prescrição, então seguimos em frente.
6º) Pelo que entendi, as penas aumentaram de 2 anos e 2 meses para 2 anos e 4 meses para cada crime. Não importa o somatório delas, a prescrição será contada separadamente para cada crime. Nesse caso, as duas penas prescreveriam em 8 anos, mas como ele tinha 20 anos, prescrevem em 4 anos, ou seja, em julho/2009.
Ufa! Um longo caminho até encontrar a resposta!

CASO nº 2

oi. eu to aqui pra te pedir ajuda. tenho um probleminha com a lei, um roubo q fiz no ano de 98 no Rio. tinha 18 anos, tava nun hostel, tinha perdido todo o meu dinheiro, ninguem pra ligar pra me ajudar, nao comia ha 2 dias e nao tinha como voltar pra casa. nao estou te contando os detalhes para ser perdoada, mas pra tentar me explicar.tinham duas turistas americanas, abri a mochila delas e roubei uma grana.era pouco. 100 dolares acho.me pegaram, me levaram pra delegacia e eu confessei.me liberaram e eu voltei pra casa, em Minas.ha alguns anos me casei com um Italiano e me mudei pra Italia.moro aqui desde 2006. sou casada, tenho filhos.achei q isso teria prescrito, mas de recente comecaram a me mandar cartas, me procuraram na minha velha residencia em BH, e agora foram ate a casa da minha mae no interior.nao quiseram falar do q se tratava com eles.nem quiseram entregar o envelope. falaram so q era do tribunal de justica. [...]

            Bom, neste caso, temos a conduta prevista no art. 155 do CP (furto simples). A pena máxima do furto é de quatro anos, ou seja, prescreve em 8 anos. No entanto, caso pessoa não seja encontrada para ser citada, o juiz pode fazer uso do art. 366 do Código de Processo Penal, o que suspende o processo e a prescrição.

Art. 366, CPP. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. [grifo nosso]

            Neste caso, a prescrição não poderia ficar suspensa por toda eternidade, mas tão somente pelo prazo limite para ela própria. Assim, o prazo prescricional poderia ficar suspenso por 8 anos e depois voltaria a ser contado. A prescrição, no final das contas, ocorreria após 16 anos. No entanto, se a leitora contava com 18 anos da data do fato, a prescrição ocorreria após 8 anos na hipótese de suspensão do processo e em 4 anos se não houve suspensão.

            CASO nº 3

A, após ter praticado o crime de roubo em 30 de abril de 2010, foi condenado com trânsito em julgado a 5(cinco) anos de reclusão e a pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). No entanto, Ana foge no momento em que foi expedido mandato de prisão. Diante da situação, em quanto tempo prescreve a pretensão executória da pena de prisão e multa?

            Neste caso, a pena privativa de liberdade (PPL) prescreve em 8 anos, conforme art. 109, III c/c art. 110, ambos do CP. Já a pena de multa prescreve no mesmo prazo, pois foi imposta em conjunto com a PPL, por força do art. 114, II, do CP.

            CASO nº 4

Se aconteceu em 1994 eu tinha 20 anos e em outubro fiz 21 cheguei ir ao fórum 98,, mais depois disso nunca mais fui chamada pelo artigo furto qualificado já fazem dezesseis anos será q prescreveu

            Caso semelhante ao caso nº 2. O furto qualificado (art. 155, § 4º e incisos) tem pena máxima de 8 anos de pena, com isso prescreve em 12 anos, mas como a pessoa tinha menos de 21 anos, o prazo é contado pela metade, ou seja, 6 anos. Se não ocorreu a suspensão do processo e da prescrição, provavelmente já prescreveu.
  
            CASO nº 5

Uma pessoa que cometeu tentativa de furto em dezembro de 2011 e se apresentou mas foi liberado e nunca mais foi chamado e não consta nenhum processo em seu nome, em quanto tempo prescreve?

Situação idêntica aos casos nº 2 e 4 ;)

             CASO nº 6
            
Após a prescrição o que preciso fazer para obter certidão negativa e refazer documentos como cnh e rg que estão vencidos? Mandado já não consta no cnj.prescreveu em 23.09.16

            Basta requerer a extinção da punibilidade pela prescrição no processo. Com a prescrição e baixa de mandado de prisão, se este existir, o processo não poderá prejudicar nem influenciar na renovação dos documentos pessoais nem em outras situações do cotidiano.

            CASO nº 7

[...] Bem eu tenho uma amiga que foi sentenciada a cinco anos reclusão em 2006, cumpriu 2 anos e 3 meses no fechado e 7 meses no semiaberto, depois deixou de ir faltando 2 anos para cumprir a sentença. Hoje ela quer tirar documentos, pode? Sei que é 12 anos a prescrição, no caso dela tá suspenso ou daqui a mais 2 anos ela não é mais foragida. [...]

Este é uma situação interessante. No caso de fuga, a prescrição será analisada a partir do restante da pena a ser cumprida, no caso, 2 anos. O Código Penal não fala em suspensão da prescrição pela fuga. Assim, a prescrição ocorrerá após 4 anos. Lembrando que se faltarem 2 anos e alguns dias para o cumprimento da pena, o prazo prescricional será de 8 anos a partir da data da fuga e/ou não comparecimento para o cumprimento do restante da pena.

            CASO nº 8

Boa noite! E se, por exemplo, houve um crime há dez anos, para o qual a pena máxima seria de também dez anos, porém nunca foi denunciado, e o autor nunca processado (ou seja, não veio ao conhecimento do Estado)? O que ocorre? Vale a decadência, ou seja, se a vítima não o denunciou em até seis meses após a ocorrência do fato, ele deixa de ser punível? Obrigado.

Se a pena máxima é de 10 anos, então a prescrição ocorre em 16 anos. A decadência é um outro assunto e só vai ter espaço se a ação depender de representação da vítima, mas aí teríamos que saber qual o crime. Se for, por exemplo, o crime de difamação (art. 139, CP), se a vítima não fizer a representação, vulgo “queixa”, no prazo de seis meses, ocorrerá a decadência. Assim, nem vítima nem Estado poderiam processar e julgar o suposto autor do crime.

            CASO nº 9

Prezada Mestra: um sentenciado à pena de 18 anos, após cumprir hum ano da pena, evadiu-se. Ocorre que o sentenciado tinha 18 anos na data do fato criminoso. Será correto o raciocínio de que sua pena de 18 anos (privativa de liberdade) tem seu prazo prescricional reduzido pela metade, consolidando-se em 9 anos? e se o sentenciado evadiu-se à 19 (dezenove) anos, será correto afirmar que a prescrição da pretensão executória deve ser computada, também pela metade?, resultando de tal fato que o referido sentenciado deveria ter direito à declaração de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória? Agradeço vossa honrosa atenção e aguardo vosso pronunciamento à respeito da questão. Obrigado.
  
Fiquei extremamente lisonjeada com o “prezada mestra”, obrigada de verdade!
Pois bem, o raciocínio foi ótimo, mas precisamos ter atenção com alguns detalhes.
Se a pena total é de 18 anos e o indivíduo fugiu após um ano, então restam 17 anos a serem cumpridos e, por consequência, a pena prescreve em 20 anos. Sendo o indivíduo menor de 21 anos na data da fuga, então a prescrição da executória ocorreria em 10 anos.
Excelente questionamento!
  
            CASO nº 10

Meu irmão foi condenado a 7 anos fico 2 anos no regime fechado saiu de saída temporária e não voltou isso em outro estado e a cadeia dele venceu em 2016 ela prescreve.

Bom, este é um caso parecido com o anterior. Primeiramente, se a pena restante a ser cumprida é de 5 anos, então a prescrição ocorre em 12 anos após a data da fuga.
  
            CASO nº 11

Furtei jóias da minha patroa em março de 2003, a denuncia foi recebida em novembro de 2011, e agora estou para dar depoimento no juiz em 29-03-2017,estou aflita já se passaram 14 anos e agora tenho emprego fixo filhos esposo e residência .o que pode acontecer comigo.

Bom, as penas máximas para os crimes de furto simples (art. 155, CP) e furto qualificado pelo abuso de confiança (art. 155, § 4º, II, CP) são, respectivamente, 4 anos e 8 anos, possuindo prazo prescricional de 8 e 12 anos.
Assim, considerando que o fato ocorreu em março de 2003, até o recebimento da denúncia, em novembro de 2011, passaram-se pouco mais de 8 anos, o que pode gerar o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição.
Por outro lado, se esses dados não estiverem corretos, é pouco provável que tenha ocorrido a prescrição entre o oferecimento da denúncia até o momento, já que se passaram apenas 6 anos. É sempre bom observar se houve a ocorrência de alguma das hipóteses de interrupção ou suspensão do prazo prescricional nos art. 116 e 117 do Código Penal.

            CASO nº 12

Uma pessoa que tenha sido condenada a 15 anos de reclusão por homicídio, suponhamos que sua sentença trans. em julgado tenha ocorrido em 2013. Mas ocorre que esse condenado não foi preso até hoje, ele não está foragido, simplesmente a justiça não foi atrás dele, apesar de ter mandado de prisão. Quando deve prescrever o direito do Estado de puni-lo? Pois um colega formado em direito me disse que nesse caso não prescreveria em 20 anos pois seria suspenso e daqui 20 anos começaria nova contagem de mais 20 anos, ao todo 40 anos. [grifo nosso]

            Bom, em relação ao trecho em negrito, é necessário esclarecer que mesmo não tendo a polícia ou o oficial de justiça procurado o indivíduo, não significa que ele não seja considerado foragido. Ora, se existe um mandado de prisão, o indivíduo pode ser sim considerado foragido.
            É bom observar que, após o trânsito em julgado de qualquer sentença que tenha imposto pena privativa de liberdade, haverá a expedição de mandado de prisão para que o indivíduo inicie o cumprimento da pena.
         Outro ponto a ser observado é que o Código Penal só fala em duas causas de interrupção da prescrição da pretensão executória, quais sejam, o início ou continuação do cumprimento da pena e a reincidência. Dessa forma, o restante da pena prescreveria em 20 anos mesmo.
            A hipótese de suspensão da prescrição pelo prazo que o Código Penal prevê para depois contar o prazo de verdade, ou seja, como o leitor disse: 20 anos e depois mais 20 anos, só ocorre quando o réu não é encontrado para ser citado, como no caso nº 2. No caso em análise, já houve condenação.

          Bom, por hoje, isso é tudo!

Aguardo novos comentários, sugestões e opiniões para melhorarmos e alcançarmos o objetivo do Blog!

Até a próxima!

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